Um dos principais articuladores da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República nas eleições deste ano, o ex-governador do Piauí, Wellington Dias, defende a fixação de uma meta de investimentos públicos no Orçamento, uma proposta de reforma tributária pactuada com os governadores e um desenho do Orçamento em que as emendas parlamentares estejam inseridas num plano para o País.
Segundo ele, a definição da meta de investimento já é praticada no Estado do Piauí, onde o governo estadual bateu o recorde no ano passado superando 15% das receitas, a maior parte com recursos estaduais. O aumento dos investimentos públicos no próximo governo é defendido pelos economistas do PT. O ex-ministro da Fazenda do PT, Nelson Barbosa, já propôs um limite de gastos atrelado ao Produto Interno Bruto (PIB), com limites separados para gastos correntes (salários e custeio da máquina) e outro para investimentos.
À frente da organização do evento marcado para o próximo dia 7 de maio com Lula e o candidato à vice na chapa Geraldo Alckmin, no Anhembi, em São Paulo, Dias diz que o programa econômico de Lula será extraído das negociações do PT para um acordo amplo com outros partidos, independente de uma ou mais candidaturas.
As atenções políticas estão voltadas para as articulações porque ele também tem participado de encontros com empresários. Entre os analistas do mercado financeiro, os nomes de Wellington Dias e do governador da Bahia, Rui Costa, entraram com força na bolsa de apostas para o comando da economia num eventual governo Lula, caso o ex-presidente repita a fórmula do seu primeiro mandato, em 2003, quando escolheu um político (Antônio Palocci) para o Ministério da Fazenda. Dias já foi senador, deputado federal, estadual e vereador e foi governador do Piauí em quatro mandatos.
A seguir, o que ele disse sobre alguns dos principais temas que vão marcar a campanha deste ano.
Meta de investimentos
“Temos na lei um limite de despesa de folha de pagamento, de endividamento, mas faltou uma meta para investimentos. No Piauí, fizemos uma meta. Em vez de fazer essa lei do teto de gastos (regra que atrela o crescimento das despesas à inflação) perversa, a nossa lei é com uma meta para investimentos. Propomos alcançar 5% da receita corrente líquida de investimentos, depois 10%, 12% e em 2021 alcançamos 15%.”
Controle das despesas
“Quando se define a meta de investimentos, termina tendo o cuidado para não aumentar despesa de pessoal. Passa-se a adotar medidas para o controle de gastos com custeio, ter mais cuidado com o endividamento, com os precatórios (dívidas reconhecidas pela Justiça). Com a meta de investimentos, os gastos ficam controlados porque o governo se obriga a fazer um plano para isso. O Brasil não faz um plano. Quando se tem meta de investimento, não pode ter reajuste além da inflação se não tiver alcançado a meta de investimento. Faz toda a máquina do Estado acordar com um plano para crescer a economia.”
PPPs
“No Piauí, tivemos que ser criativo com modelagem de Parceria Público Privadas (PPPs), ir atrás de investidores privados, do agronegócio, o comércio atacadista, varejista, investimento em energia eólica, solar, fruticultura. Isso obriga a ter um plano para alcançar aquela meta. Eu acho que é o caminho do próximo governo Lula.”
Plano de economia
“O compromisso que a gente tem de um plano na economia é de um lado as medidas emergenciais, mas tem também as de médio e longo prazos. É preciso ter uma política que o País volte a ter crescimento na renda. Isso contribui para ampliar o consumo. Ao mesmo tempo a necessidade de gerar emprego e empreendedores.”
Como fazer
“Essa cesta de medidas é difícil, mas não impossível. Cito o caso do meu Estado. Quando a gente abriu para modelagem de PPPs, conseguimos num Estado em desenvolvimento, de economia pequena, trazer algo em torno de R$ 8 bilhões em variadas áreas. Esse investimento privado feito em parceria com o setor público tem um impacto na economia. Criamos um fundo de recebíveis e um fundo imobiliário. O Brasil pode alcançar algo parecido com tributos não pagos. O fundo de recebíveis facilita a dívida do devedor, que, ao invés de fazer um Refis e outro Refis, tem uma regra de negociação estável. Multiplicamos por três, quatro vezes o arrecadado. Ao mesmo tempo, por meio da emissão de debêntures (títulos de dívida emitidos pelas empresas) pode-se fazer uma antecipação. Existem mecanismos de receita não tributárias.”
Pautas econômicas
“O que estamos defendendo é, mesmo tendo candidaturas, termos um diálogo com um campo político que tenha em comum democracia, propostas voltadas para organização do País, que o Lula chama de reconstrução do País, para dar conta de problemas reais da carestia, da inflação alta, do controle das contas públicas, da soberania, respeito aos outros países, da sustentabilidade ambiental. Podemos ter mais candidatos em primeiro turno e podemos ter compromisso no segundo turno. Ou podemos ter entendimento no primeiro turno. Isso é um jogo de paciência que só se resolve lá nas convenções em julho.”
Programa
“O programa tem que ser fruto de uma pactuação, não é mais uma proposta só. O Geraldo Alckmin vai participar (do debate econômico). Agora, é que vão começar a tratar sobre isso. Tem as linhas gerais que eles conversaram sobre isso e nessas linhas há um bom entendimento. A rigor, no mês de maio é que começa a ter as equipes. Eles vão dar os eixos gerais e aí vem a formação dos grupos de trabalho. Dali é que se extrairá o registro do programa eleitoral. O programa vai ser mais à frente.”
Empresários
“Às vezes eu vejo os empresários nervosos em relação ao Lula, mas ele é o mais conhecido. É o Lula que já passou oito anos na Presidência. Eu tenho participado de várias rodadas, pelo menos quatro delas nos últimos dias, com setores empresariais mostrando que não há razão para isso. É interessante que os empresários internacionais já colocam abertamente a importância do Lula e não do Bolsonaro como melhor para os seus negócios, com mais segurança. São rodadas que os próprios empresários estão organizando de forma reservada. Quando a gente começa a lembrar, tínhamos em 2003 um país com inflação alta, endividamento externo, sem reservas internacionais.
O País precisava ter empréstimo do FMI para fechar o balanço de pagamentos e endividamento interno elevado por conta dos juros altos. O País com nível de desconfiança e insegurança bem elevado. Quem assumiu? Lula. Por que ter medo do Lula se foi ele quem foi atrás do Henrique Meirelles e do Luiz Fernando Furlan para ter um plano de desenvolvimento, indústria e comércio, do Roberto Rodrigues para Agricultura. O Lula sabe que ao fazer um campo amplo precisa governar com a participação desses que querem com ele assumir responsabilidade trabalhando juntos. Não tenha dúvida, que vai ter coragem de um plano nacional, controle das contas e uma meta para o País voltar a crescer. Por isso, precisa de mais pessoas participando desse processo. O que o Lula diz em todo lugar é nada de sapato alto, nada de já ganhou. Tem uma eleição e uma equação política difícil. Vai ser um plano liderado por Lula junto com o Alckmin, mas a proposta pactuada com esse campo amplo.
Base para votação
“Essa pactuação de um campo amplo garante a sustentabilidade de uma base que saiu do resultado da eleição da Câmara e do Senado, seja no primeiro turno ou segundo. É diferente de, após tomar posse, ir atrás dos adversários para compor uma base. Isso é muito mais complicado. O ideal é vencer as eleições já com uma maioria construída.”
Retomada do Orçamento
“Nesse instante não tem um plano. Por não ter um plano, para onde vai a educação, o social, a economia, saúde, o apoio às micro e pequenas empresas, o rural? Esse é o problema. Qual é a política energética, para gás e petróleo? Hoje, não há. Mas vai ter um plano. Vai ter emenda parlamentar? Vai ter. Fui vereador, deputado estadual, federal, senador, além de quatro mandatos de governador, e em todos eles, tinha emendas. Só que é o Executivo quem deve estabelecer para onde vão os recursos das emendas. É ele que faz o plano. Também as emendas vão para o plano traçado.”
Antifederalismo
“Vivemos um governo central antifederação. O presidente da República o tempo todo contra os governadores e prefeitos. Esse momento será marcado como provavelmente a primeira vez no Brasil em que o poder central é antiestado. Como se quisesse desorganizar os Estados e tensionar os municípios. É como gerar tensão e o caos fosse o plano. A situação fiscal dos Estados e municípios hoje é melhor do que a da União porque levamos adiante o que a União não fez.”
Reforma tributária
“Há 40 anos acompanho essa pauta propondo uma reforma tributária. Fechamos um acordo (os Estados). Trabalhamos uma meta macro que é a redução de carga tributária geral, simplificação e justiça tributária. Liderados pelo Fórum dos Governadores do Brasil, conseguimos em 2019 uma proposta pactuada com 27 Estados para unificar os tributos e colocar no lugar o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). Lá na frente, o governo federal resolveu não colocar os tributos federais. Mesmo assim, era possível unificar os tributos com o IVA estadual/municipal.
O fim da guerra fiscal e um fundo criado com receitas dos próprios Estados para o desenvolvimento regional é um passo gigante. Em outro passo chegamos a colocar na mesa uma proposta para a redução da alíquota sobre combustíveis. Com base nisso, se trabalharia a tributação de lucros e dividendos. Com essa simplificação e a mudança de tributos do consumo para renda, em nome de um ganho de eficiência, haveria uma redução da carga tributária em torno de 3%, tributando os mais ricos. Eu conto isso para dizer que nunca fugimos da discussão tributária.”
Aumento de Impostos
“Qual era o entendimento, meio que um pacto, a carga tributária não pode ser alterada se ampliando. Hoje, o cobertor é curto. Não é possível – não só pelo ano eleitoral – mas pela dificuldade da queda da renda das pessoas, um governante propor aumento tributário. Por outro lado, temos um campo em que podemos avançar muito que é eficiência. Aqui no meu Estado, passamos a ter menos sonegação e uma política de organização tributária que fechamos o ano passado com uma capacidade de investimento de 15%.”
Desoneração de tributos
“O que levou à elevação das receitas não foi nem a produção e nem o crescimento do comércio, da renda e do emprego. O que fez crescer as receitas foi a inflação. O que teve foi o preço aumentado. Qual é o problema que isso gera? Agora, chegou a hora de pagar a conta. Já em 2022, principalmente, em 2023, vem o ajuste. Os próprios custos dos Estados e municípios aumentam. Quem está fazendo obras vê que todos os insumos cresceram. Isso significa aumento do lado das despesas. Não apenas a folha cresce, mas os gastos com custeio e investimentos. Só está se olhando para o lado das receitas. Dá uma olhada do lado das despesas. ‘Ah os governadores estão estourando com reajustes salariais’. É compensação inflacionária. Não tem para onde correr, setor público e privado.”
Inflação
“Estávamos desacostumados à aceleração inflacionária. Eu sou da geração que viveu inflação a 84% ao mês. Não quero isso mais nunca para o meu País. Sei o quanto isso desmantela a vida especialmente dos mais pobres. Além de salários baixos, tem o confisco do salário pelo efeito inflacionário.”
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