Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os dados de trabalhadores brasileiros reunidos no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) constatou 101 milhões de erros na base de dados que, segundo o tribunal, podem gerar pagamentos indevidos de benefícios como aposentadoria, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente, auxílio a indígenas, auxílio-doença ou pensão por morte.
Em abril, o CNIS somava 446 milhões de Números de Identificação do Trabalhador (NITs). O número supera o da população porque há registros repetidos para o mesmo trabalhador, além de reunir dados de pessoas mortas.
Segundo o levantamento, um mesmo NIT pode contar com vários destes erros, por exemplo, o mesmo “cadastro” não ter CPF e ter divergência no nome da mãe do trabalhador, indicando em um único registro dois destes 101 milhões de erros.
Os dados das irregularidades foram estimados pelos técnicos do TCU a partir de uma amostra de 300 mil Números de Identificação do Trabalhador (NITs) escolhidos aleatoriamente dentro da base. A medida foi necessária diante das dificuldades técnicas na extração da base integral do cadastro dentro do prazo da auditoria.
Os números constam de um ofício enviado pelo TCU em 16 de maio ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a partir de fiscalização que começou em junho do ano passado, sobre a qualidade dos dados do CNIS e o possível impacto de divergências no cadastro sobre a concessão de benefícios previdenciários, assistenciais e trabalhistas.
A auditoria identificou 24.306.894 de registros de Pessoas Físicas com dados incompletos, inválidos, ou inconsistentes, sendo que 2.021.195 mostram um CPF que não existe na base de dados da Receita Federal.
Além disso, também revelou 14.664.351 registros com indícios de morte do titular em outras bases oficiais, como o Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi), e que não possuem a data de óbito no CNIS.
Desses, 1.975.616 tiveram a data de óbito registrada nos últimos cinco anos. Ou seja: 86% dos que aparecem mortos em outros bancos de dados, mas continuam “vivos” no CNIS morreram há mais de cinco anos.
Segundo o TCU, as deficiências dos controles podem permitir a concessão ou a manutenção do pagamento de benefícios a pessoas falecidas, por erro ou fraude.
— Se considerarmos, por exemplo, que um milhão de pessoas que já morreram continuam recebendo aposentadoria, e se considerarmos o valor de um salário mínimo por benefício, podemos traçar uma estimativa de impacto de R$ 15 bilhões anuais no orçamento. É um impacto gigantesco — diz o professor Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Esta auditoria apresentou, segundo especialistas, um dado pior que o imaginado anteriormente:
— A dimensão da desorganização dos dados é bem maior do que se imaginava. Se o planejamento de transferência de benefícios erra o alvo, não há como executar essas políticas públicas corretamente. Tem que haver uma reforma para unificar os sistemas de registros. Isso mostra uma urgência do governo em criar um sistema único que detalhe claramente os dados com uma limpeza e atualização cadastral anual. Passou da hora de fazer — disse Duque.
Para o advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), o problema na organização dos cadastros se deve, em boa parte, à administração dos dados por órgãos distintos.
— Esses bancos de dados são uma bagunça. Chega a ser chocante o quanto várias bases de dados governamentais são desorganizadas. É surreal — diz Lemos.
A avaliação de Lemos pode ser sentida na maneira como a Dataprev recebeu as demandas da equipe de fiscalização do tribunal desde o ano passado.
Segundo o documento, o órgão levou oito meses para enviar os dados solicitados pelos fiscais. Em 2017, outra fiscalização do tribunal foi inviabilizada pelo não envio dos dados tanto pelo INSS como pela Dataprev.
“A incerteza do prazo para o recebimento dos dados torna inviável a conclusão do presente trabalho a tempo, o que caracteriza obstrução para que o TCU desempenhe suas competências constitucionais”, escreveu o ministro Aroldo Cedraz, relator do caso, em um acórdão de dezembro.
“Ressalta-se que as dificuldades de acesso a bases de dados estruturadas do CNIS mostram-se recorrentes em trabalhos de controle executados tanto por esta Corte de Contas quanto pela CGU, bem como pelo próprio INSS.
Não se trata de comportamento inédito por parte dos entes fiscalizados. Na prática, o que se constata é uma recusa tácita do INSS e da Dataprev em fornecer as informações requisitadas pela equipe, uma vez que a cada nova reiteração do pedido são apresentadas estimativas divergentes quanto ao prazo necessário, sem fundamentação aceitável e, o pior, sempre condicionando o início das atividades a outros fatores externos”, pontuou o ministro.
De acordo com o TCU, durante a fiscalização os próprios técnicos do INSS encontraram dificuldades para acessar o banco de dados do CNIS.
“A dificuldade de obtenção dos dados enfrentada pela equipe de fiscalização reflete a mesma dificuldade que o gestor da política pública possui em ferramentas de acesso aos dados dos seus segurados”, registra um trecho do ofício do TCU.
Segundo Cláudio Machado, ex-funcionário da Dataprev e consultor em gestão de dados, os erros são inevitáveis para uma base de dados como essa em um país com as dimensões do Brasil:
— [Os erros] são coisas que acontecem há muitos anos, isso faz parte do processo de depuração das bases de dados. São erros de operação, problemas corriqueiros que fazem parte do processo da engenharia das políticas públicas. Estamos falando de 2% de erros nos CPFs, por exemplo. É pouco. Em todos os cadastros há situações como essa.
Procurado, o INSS, responsável pela governança do CNIS, disse que uma equipe técnica analisa “cada um dos apontamentos” do TCU e que responderá no prazo previsto. O órgão, contudo, não respondeu às perguntas feitas pelo GLOBO.
O instituto informou ainda que uma equipe técnica analisa “cada um dos apontamentos” do TCU e que responderá no prazo previsto. O órgão, contudo, não respondeu às perguntas feitas pelo GLOBO.
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