As pesquisas de intenção de voto feitas por institutos e empresas da área são unânimes em apontar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente na disputa pelo Planalto, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). A vantagem do petista, no entanto, varia, a depender do levantamento, a ponto de essa divergência ter impacto na avaliação sobre se há ou não indicativo de uma vitória de Lula já no primeiro turno. E as pré-campanhas de ambos exploram politicamente essas discrepâncias.
Uma das explicações para as diferenças nos percentuais de intenção de voto passa pelo modo de fazer as pesquisas, se com entrevistas presenciais (em domicílios ou em pontos de fluxo de pessoas) ou por meio do telefone, afirmam especialistas e dirigentes de empresas do setor ouvidos pelo Pulso. Isso porque o método usado para cada pesquisa tem impacto sobre a amostra (quem é ouvido ou não) e nas interferências possíveis no contato entre entrevistador e entrevistado.
Como em qualquer experimento, pesquisas de opinião são suscetíveis a fatores internos e externos que podem provocar diferenças em seus resultados. Seja em uma palavra diferente da outra na formulação da pergunta ou a empatia transmitida por um entrevistador face a face ou via voz por telefone.
Levantamentos divulgados em junho exemplificam as diferenças nos resultados obtidos. As pesquisas Datafolha e Genial/Quaest, que são face a face, apontam Lula com 19 e 16 pontos percentuais, respectivamente, à frente de Bolsonaro no primeiro turno, considerando a pesquisa estimulada, na qual as opções de candidatos são apresentadas. Já os levantamentos Ipespe e Exame/Ideia, feitos por contato telefônico, mostram distância menor, de 11 e 9 pontos percentuais, respectivamente. Os resultados são divergentes nos índices de intenções de voto de Bolsonaro, enquanto os de Lula variam dentro das margens de erro.
E qual das pesquisas está certa? Não haverá resposta final e precisa, e o importante é observar as tendências entendendo melhor como cada uma é feita. A chave para iniciar esse debate está no perfil de renda dos eleitores. Defensores do modo de pesquisa presencial afirmam que, apesar do fato de oito em cada dez brasileiros terem um aparelho celular, segundo dados do IBGE, a disponibilidade para atender o telefone não é a mesma entre a população de menor renda. Mais de 93% dos domicílios tinham ao menos um celular no fim de 2019. Além disso, ressaltam que não existe um cadastro oficial de telefones no país. Diferentemente dos Estados Unidos, onde pesquisas telefônicas são amplamente usadas, o mercado americano é mais maduro no uso de telefones de forma universal.
Por outro lado, as pesquisas presenciais, na avaliação de seus críticos, teriam mais dificuldade de entrevistar eleitores com mais renda, que costumam viver em condomínios fechados por portarias e seguranças em cidades cada vez mais vigiadas e circulam menos a pé nas ruas. Pesquisadores face a face também teriam menos acesso a áreas das cidades controladas pelo crime organizado.
O presidente do conselho científico do Ipespe, Antonio Lavareda, defende que as desvantagens apontadas para as pesquisas telefônicas não procedem e lembra que o método presencial não é mais usado em países da Europa e dos Estados Unidos. Ele também alerta que a diferença nos resultados entre os institutos se limita às intenções de voto em Bolsonaro na pesquisa estimulada.
— Uma pequena parcela não tem acesso à telefonia celular. Esse grupo é no mínimo igual, ou até menor, que o da população que não é acessível em condomínios de classe média e alta e em áreas controladas pelo tráfico. A vantagem de maior acesso na pesquisa presencial não existe. Além disso, não dá para colocar todas as telefônicas no mesmo grupo. Em todo levantamento sem o recall da eleição passada (em que é perguntado ao eleitor em que ele votou em 2018), há forte indicação de pesquisa fake ou com amostra distorcida — conclui.
Diretora do Datafolha, Luciana Chong rebate o argumento de que as pesquisas presenciais são impactadas pelas dificuldades de acesso a segmentos da população:
— O Datafolha realiza as pesquisas em pontos de fluxo populacional, os pontos de fluxo não ficam, necessariamente, em locais com grande fluxo como saída de estações do metrô ou grandes avenidas. Os pontos estão localizados nos bairros, próximos ao comércio local. A dificuldade na abordagem existe para as classes mais altas e mais baixas também (moradores de comunidades, por exemplo) e considero que essa abordagem consegue atingir todas as classes.
Luciana Chong levanta ainda outras explicações para a discrepância na distância entre Lula e Bolsonaro nas pesquisas presenciais e telefônicas:
— Existem outros fatores, como a distribuição e o perfil da amostra. O Datafolha utiliza cotas apenas para gênero e idade. Os outros dados sociodemográficos são resultados da pesquisa. Não existem dados oficiais atualizados para escolaridade e renda dos eleitores. Fazemos um acompanhamento dessas e outras variáveis para garantir que a amostra represente o universo pesquisado. Também precisam ser levadas em consideração as diferentes formulações das perguntas e as datas de realização de cada pesquisa.
Felipe Nunes, CEO da Quaest e que faz pesquisas presenciais mensais, vê vantagens e desvantagens em cada método, mas explica que sua empresa optou por considerar o que melhor contempla a faixa com menor renda, que têm maior peso na população brasileira:
— O eleitor de Bolsonaro tende a ter renda mais alta, e a pesquisa telefônica tende a falar mais com esse público. Já o de Lula tende a falar mais na pesquisa face a face. É preciso entender que há vantagens e desvantagens em cada método. O importante é fazer uma ponderação que reduza os erros produzidos por cada abordagem. Fazemos a amostra domiciliar face a face porque a escolha passou por ouvir o eleitor que tende a ter mais participação no resultado da eleição, que é a população de renda mais baixa. Além disso, acompanhamos variáveis que funcionam como benchmarks (ou seja, como indicadores para medir a qualidade da pesquisa), como o percentual de vacinação e o voto em 2018.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao contato entre entrevistadores e entrevistados. Na pesquisa presencial, é apresentado um cartão de resposta com o cardápio de candidatos, em geral em formato circular, com o objetivo de garantir uma exposição de todas as candidaturas sem interferências para captar o voto estimulado. Na telefônica, o entrevistador lê os nomes dos candidatos em ordem previamente definida pelo computador.
— Avaliamos que para intenção de voto a abordagem presencial é a melhor. Na abordagem telefônica, é preciso que o pesquisador leia a lista inteira com os nomes dos candidatos, uma dificuldade para quem está respondendo a entrevista. O cartão circular é o melhor instrumento. O pesquisador é instruído a ler os nomes do cartão quando o entrevistado tem alguma dificuldade e solicita ajuda — acrescenta Chong.
Já Lavareda, do Ipespe, enfatiza que há dificuldade de leitura no cartão circular:
— Os nomes e mais as alternativas branco e nulo comprimidos num cartão circular geram muita dificuldade para a leitura. As pessoas estão acostumadas a ler o texto horizontalmente, e não diagonalmente. Além das pessoas com deficiência visual, há um contingente de eleitores analfabetos.
Uma outra hipótese defendida por Lavareda para as diferenças nos resultados das pesquisas é a possibilidade de existir um “voto envergonhado” em Bolsonaro, especialmente nas camadas com menor renda. Fenômeno semelhante foi observado por pesquisadores na eleição americana em relação à candidatura de Donald Turmp.
— Nesse hipótese, se você é minoritário num determinado grupo social, tem dificuldades para expressar sua opinião publicamente e a oculta. Esse comportamento seria mais fácil de ocorrer numa pesquisa presencial em que há um eleitor frente a frente com o entrevistador, num meio público, com pessoas circulando. É possível que haja uma espiral do silêncio entre bolsonaristas. Na telefônica, você tem a privacidade mais protegida. Em geral, por exemplo, a avaliação de governo como regular aparece maior na presencial e menor na telefônica — pontua Lavareda.
Luciana Chong, do Datafolha, discorda:
— Não temos esse indício e considero que isso poderia acontecer em relação ao voto em Lula também.
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