Sob Jair Bolsonaro (PL), o setor da educação viveu momentos de inédita turbulência. O MEC (Ministério da Educação) esteve afundado em polêmicas ideológicas, disputas entre alas, falhas de gestão, ingerência política e até casos de corrupção que culminaram na prisão de um dos três aliados que comandaram a pasta.
Enquanto investia energia em projetos inócuos como educação domiciliar, o MEC sofreu acumuladas reduções de orçamento. Assim, o cenário, que inclui problemas que não nasceram neste governo, foi agravado com a pandemia de coronavírus. O Brasil foi um dos países com maior tempo de escolas fechadas.
A emergência para recuperar os prejuízos causados pela Covid e a retomada do papel de coordenador do MEC são alguns dos principais desafios do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito presidente neste domingo.
“A primeira coisa a ser feita é a gestão federal assumir o posto de coordenador nacional da política brasileira de educação. É necessário entender que ser MEC é ser coordenador, é o que a Constituição define”, afirma a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV e colunista da Folha, Claudia Costin.
O MEC foi cobrado por secretários de Educação e especialistas pela ausência no apoio às redes durante o fechamento de escolas e também na reabertura —o orçamento para a educação básica na pandemia foi o menor em dez anos. O próprio diagnóstico dos impactos é impreciso.
A avaliação federal de 2021 expôs uma queda de aprendizado generalizada, do ensino fundamental ao médio. A situação é ainda mais grave no ciclo de alfabetização.
A falta de diálogo com as redes foi expressa, inclusive, com uma nova política nacional de alfabetização definida sem ouvir os municípios, que concentram as matrículas.
A próxima gestão federal terá a tarefa de retomar e fortalecer esse sistema de colaboração, abalado ainda mais com a implosão de critérios técnicos nas políticas de transferências de recursos.
A combinação de cortes orçamentários, desprezo a critérios técnicos, ingerência política, as chamadas emendas de relator no Orçamento e denúncias de corrupção resultou no desmonte de um dos principais mecanismos de planejamento educacional e de transferência, o chamado PAR (Plano de Ações Articuladas).
Trata-se de um sistema, criado em 2007 no governo Lula, em que as prefeituras cadastram suas demandas e o governo federal realiza repasses para infraestrutura escolar, de creches a ônibus escolares. Os valores desabaram na gestão atual.
Os gastos no PAR em 2021, de R$ 796 milhões, são os menores em uma década e equivalem a menos de um terço do investido anualmente, em média, de 2012 a 2018. Neste ano, o montante foi de R$ 260 milhões até 19 de outubro.
Assim como em outras ações da área, o governo abriu mão de critérios técnicos, transformando a pasta em uma espécie de balcão político: os maiores beneficiados passaram a ser prefeituras aliadas, não quem mais precisa.
Eram do PAR, por exemplo, os recursos negociados por pastores sem cargo em troca de barras de ouro, segundo denúncias. O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro deixou o cargo uma semana após a Folha revelar áudio em que ele dizia priorizar pedidos de um dos pastores sob orientação de Bolsonaro.
Também vieram do PAR os R$ 26 milhões transferidos para a compra de kits de robótica em cidades com deficiências de infraestrutura, mas com contratos com empresa de um aliado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Enquanto o governo liberava verba a aliados, travou o pagamento de R$ 434 milhões a prefeituras aptas a receber os recursos. O resultado foi um acumulado de obras paradas.
Os recursos são gerenciados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC entregue por Bolsonaro a indicados do centrão. Com o grupo, cidades mais ricas foram privilegiadas em detrimentos das mais vulneráveis, que deveriam ter prioridade.
O novo governo vai precisar requalificar os critérios de transferências, sobretudo dentro do PAR, e agir ainda neste ano para tentar reverter a tendência de cortes de recursos da educação prevista no Orçamento de 2023, em trâmite no Congresso.
No projeto, o governo reservou R$ 1 bilhão do MEC às emendas de relator. É o mesmo valor que foi retirado da rubrica relacionada à educação básica, na comparação com o projeto deste ano.
Há previsão de apenas R$ 5 milhões para construção de creches em 2023. Valor não é suficiente para bancar nem duas unidades.
Essa redução vem na esteira de fortes cortes desde 2019. O MEC terminou 2021 com R$ 101 milhões pagos para obras de creches em prefeituras, o que significa uma redução de 80% com relação a 2018.
Estima-se que o país precise matricular 2,2 milhões de crianças de até 3 anos para atender meta do Plano Nacional de Educação de ter, até 2024, metade das crianças dessa faixa etária em creches.
Caberá ainda à nova gestão renovar o Enem para adequa-lo à reforma do ensino médio. Há também a tarefa de implementar um novo modelo de avaliação da educação básica. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), criado em 2007, estipulou metas só até 2021.
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