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Mulheres no topo das empresas do Ibovespa passam de 3% a 5%

A executiva Deborah Stern Vieitas assumiu o cargo de presidente do conselho de administração do Santander há pouco mais de dois meses, se tornando uma das – ainda raras – mulheres a chegar à posição em um grande banco brasileiro. Um pouco antes, em janeiro, Tarciana Medeiros, funcionária de carreira do Banco do Brasil, se tornou presidente da instituição e passou a ser a primeira mulher a comandar a empresa em 217 anos.

Mesmo ainda sendo exceção, a ascensão dessas mulheres mostra que as grandes empresas brasileiras estão sentindo a pressão da sociedade, que tem exigido maior diversidade no mundo corporativo. Em pouco mais de 12 meses, as mulheres que presidem as principais empresas de capital aberto do País passaram de duas para três e as que comandam os conselhos de administração dessas companhias subiram de três para cinco.

Os números correspondem a, respectivamente, 3,7% e 6,2% dos cargos de liderança das 81 empresas que fazem parte do Ibovespa, o principal índice da Bolsa de Valores brasileira – isto é, as 81 organizações que movimentam o maior volume de recursos no mercado acionário. Se forem somadas as mulheres nas presidências executiva e de conselho, elas chegam a 4,9% do total dessas posições. No ano passado, eram 3%.

Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo Estadão, na única iniciativa do País em que é possível conhecer a situação, por empresa, da presença feminina em cargos de liderança. A pesquisa aponta ainda que a participação das mulheres na diretoria executiva das empresas do Ibovespa passou de 13,8% no fim de maio de 2022 para 15,8% agora e de 16,4% para 20% nos conselhos de administração – números considerados abaixo do ideal por especialistas.

As informações foram coletadas entre 22 e 26 de junho nos sites de relações com investidores das companhias, partindo do princípio de que, por questão de transparência, as empresas devem manter suas páginas atualizadas. O levantamento considerou como membros das diretorias todos os profissionais que foram destacados pelas próprias organizações em suas páginas.

Hoje, das organizações do Ibovespa, apenas o Banco do Brasil, o Iguatemi e o Fleury têm CEOs mulheres (os últimos dois já tinham no ano passado). Magazine Luiza, CCR, Klabin, Santander e Sabesp têm mulheres à frente dos conselhos (nas primeiras três, as presidentes também já ocupavam a função em 2022).

Entre as empresas com menor desigualdade de gênero estão o Magazine Luiza, a TIM, a Sabesp, o Banco do Brasil, a B3 e o Iguatemi. Do outro lado, Cemig, Eztec, Pão de Açúcar, CSN (SID Nacional) e Usiminas estão entre as piores para mulheres ascenderem, com nenhuma no conselho ou na diretoria (confira abaixo o que as empresas dizem). Sabesp e Cielo, por sua vez, aparecem entre as que mais aumentaram a diversidade em um ano, enquanto Natura, a que mais reduziu.

No mundo corporativo, o problema de as mulheres não alcançarem os cargos mais altos é conhecido como “degrau quebrado”. Isso porque as mulheres, em grande parte, têm acesso ao mercado de trabalho, mas, conforme se aproximam do topo da hierarquia das organizações, encontram obstáculos que dificultam a ascensão. As opções são, assim, parar por ali ou fazer um esforço muito maior para subir esse degrau.

Na avaliação da gestora executiva do Mulher 360 (movimento empresarial que trabalha por empoderamento feminino e equidade de gênero), Margareth Goldenberg, o aumento da participação feminina nas grandes companhias é motivo para ser comemorado. Ela pondera, porém, que o avanço ainda é lento. “A pauta foi para o centro do debate, mas são poucos degraus avançados”, diz.

Para Vieitas, do conselho do Santander, o crescimento da presença da mulher nas lideranças é “muito bom”, mas “insuficiente”. “A gente tem de procurar uma aceleração maior. Precisamos de metas. Deveríamos ter, no mínimo, 30% de mulheres em diretorias e conselhos, já que esse é considerado o número ideal para que algum grupo possa efetivamente ter voz”, afirma a executiva. Deborah acrescenta que 30% tem de ser uma meta inicial e que 50% é o patamar que deve ser realmente almejado.

São vários os estudos que indicam que a parcela mínima para que um grupo não seja percebido como minoria é de 30%. Ainda assim, nas organizações listadas no Ibovespa, apenas 18,6% têm uma participação feminina nos conselhos superior a essa (eram 13,7% em 2022) e 13,6% nas diretorias (eram 10,3% um ano atrás). Já o porcentual de companhias sem nenhuma mulher na diretoria subiu de 34,5% para 38,3%.

Apesar do ritmo aquém do desejado, a mudança que vem ocorrendo tem sido catalisada pela pressão da sociedade em torno das metas ESG (sigla em inglês para as questões ambientais, sociais e de governança), diz Goldenberg. Ela destaca, no entanto, que vários pontos ainda demandam atenção para que haja igualdade de gênero no ambiente corporativo.

A executiva afirma que é preciso observar em que diretorias as mulheres estão mais presentes. Se elas não chegarem aos setores considerados “core” (da atividade principal da empresa), dificilmente alcançarão um cargo de presidente. “Se a gente continuar nesse avanço apenas em área de apoio, como RH e jurídico, mesmo estando na diretoria, a possibilidade de avançar para CEO e conselho de administração é muito pequena. É muito raro alguém chegar a CEO se passar a vida no RH. Temos de ver a qualidade do avanço.”

Hoje, segundo o levantamento do Estadão, das 108 diretoras de empresas do Ibovespa, 60,2% estão nas áreas de apoio, principalmente nos setores jurídico, de RH e de sustentabilidade. No ano passado, eram 54,4% de 101 profissionais.

Para mudar esse cenário, as mulheres devem pleitear para estar em áreas “core” ou que tenham resultado financeiro quantificável, segundo Vieitas. “Isso muda a vida das mulheres que estão caminhando para a alta liderança.” Segundo ela, uma gerente jurídica já acompanha todo o negócio da empresa e tem condições de seguir para uma área que envolve, por exemplo, vendas e, assim, adquirir todas as competências necessárias para ser CEO.

Além da dificuldade de ascensão em algumas áreas das próprias organizações, as mulheres também sofrem mais em alguns setores econômicos tidos como masculinos. A sócia da consultoria e auditoria Deloitte Angela Castro, que lidera um programa de diversidade na empresa, diz perceber que a ascensão feminina é ainda mais complicada em companhias ligadas a tecnologia e finanças.

Na tentativa de contornar essa dificuldade no segmento financeiro, um grupo de profissionais criou o Mulheres no Mercado. Com 14 anos de atuação na área de investment banking, uma das mais agressivas do mercado financeiro, Carolina Ragazzi está à frente da iniciativa que busca apoiar mulheres a se desenvolverem no setor majoritariamente masculino.

No grupo, as profissionais trocam informações sobre experiências que travaram suas carreiras e iniciativas que as ajudam a atravessar momentos delicados, como licença maternidade. A ideia, porém, vai além. A intenção é também pressionar socialmente por mudanças mais rápidas.

Para Goldenberg, do Mulheres 360, a postura do novo governo Lula em relação às questões de gênero podem ser um fator a alavancar essa transformação no mundo corporativo. “Quando se tem esse tema como uma prioridade de governo, a pauta avança com mais tranquilidade”, diz ela, lembrando que iniciativas como o projeto de lei que prevê salários iguais entre homens e mulheres ajuda a reduzir a desigualdade no mercado de trabalho.

As especialistas, no entanto, destacam que é preciso mais do que políticas públicas. As empresas devem definir metas com prazo para elevar a presença feminina na alta liderança e as grandes corporações precisam ser as primeiras a fazer isso para dar o exemplo, diz Vieitas.

A professora convidada da Fundação Dom Cabral, Livia Mandelli afirma que programas de mentoria para mulheres também são importantes. “Mulheres precisam servir de exemplos para outras.”

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